segunda-feira, 13 de junho de 2011

É preciso saber a diferença entre o que é um favor e contrair uma dívida



Eu acho impressionante como a maioria das pessoas tem o dom de esvaziar as palavras ou distorce-las "sempre ao seu favor".
Ao longo da minha vida, eu escutei muito e venho escutando repetidas vezes as pessoas "me lembrarem" o quanto são "solícitas", o quanto me "prestam favores" "sem me pedirem nada em troca". E hoje, mais uma vez eu reafirmo aquilo que aprendi aos 08 anos de idade e conto pra vocês agora.

Quando eu era pequena(não em barbacena), eu tinha uma coleguinha na escola na qual tinhamos uma relação de amor e ódio, quando não estávamos brigando, estávamos melhores amigas, um belo dia, esta menina, e estávamos bem, veio me pedir um favor que hoje eu nem me lembro qual foi, mas foi algo que fiz pra ela; O que me deu uma sensação interior de "superioridade". Eu pensei, "nossa, ajudei alguem que vive arengando comigo, "sou melhor"" Ok, mas não tardou para estarmos brigada; E foi neste momento que lá pelo meio da discursão eu soltei a "pérola" "-É, mas eu fiz tal coisa que você me pediu" e a pequena retrucou "- fez porque quiz". Foi um verdadeiro tapa energético na minha cara. Ela estava com toda razão, eu fiz porque eu quiz, ou pra me aparecer, mas eu fiz e ninguém me botou faca nenhuma no pescoço. E hoje, já com quase 40 anos eu venho escutando essas mesmas lembranças com cara de "desintenção", mas totalmente intencionadas em seus inconscientes. Foi aí que isto me levou ao dicionário, pois na filosofia aprendi que pra gente usar uma palavra, é preciso saber realmente qual é o significado dela. Ni qui quando eu abri o tarzinho estava escrivinhado:

Favor
[Do lat. favore.]

1.Serviço prestado a alguém com disposição amistosa; obséquio:
2.Benefício concedido; mercê, graça.
3.Benefício, bem, interesse;
4.Agrado, simpatia

Isso aqui foi no que a palavra se transformou nos dias de hoje:

1.Decisão propícia e/ou indulgente; aprovação;
2.Proteção, patrocínio;
3.Falta de isenção no julgar; parcialidade;
4.Condição favorável, propícia;

Dívida
[Do lat. debita, nom. pl. de debitum, ‘débito’ (q. v.).]

1.Aquilo que se deve
2.Obrigação, dever

O psiquiatra Adalberto de Paula Barreto, nos esclarece toda a raiz de tanta distorção que vou aqui explicar pros interessados.

"Pois é dando que se recebe". (oração de São Francisco)

Quando damos algo reconhecemos e valorizamos a necessidade do outro como algo que nos diz respeito, nos permite exercer a alteridade, a compaixão. Isso nos faz lembrar que somos responsáveis por tudo aquilo que nos cerca: o outro e a natureza, por exemplo, e que viver é conviver, como afirma Dr. Adalberto; Mas descobrir a alteridade não como uma ameaça ao meu existir, mas como parte dele que a nossa convivencia nos permite, como:

- Perceber o valor de uma convivência respeitosa na diversidade;
- Reconhecer a importancia de ações solidárias;
- Indignar-se com injustiças e desigualdades;
- Participar da construção de um mundo mais solidário;

Porém o que acontece hoje em dia, é outra coisa, é um dar que nos aprisiona. Vou explicar.
Quando damos sem a consciência de que somos beneficiários do nosso doar, ou seja, o de fazer um favor,o gesto de dar torna a quem o faz um CREDOR e a quem recebe um DEVEDOR. Cria-se então uma relação de dependencia que torna-se a origem de futuros desentendimentos. O que acontece também é que quando alguém pede algo EMPRESTADO deve DEVOLVER, porque NÃO FOI DADO, nem o objeto e nem a pessoa que emprestou o direito de escolher se quer doar. Digamos então, que é uma dupla sacanagem!

Na doação, que é o favor, ninguém tem a obrigação(note que segundo o dicionario esta palavra se relaciona com dívida) de retribuir ou devolver nada. O problema é que a pessoa faz uma dívida achando que é favor.Detesto "achismo", nem escola filosófica é!

Isso fica muito claro e se revelam nas frases; "gosto do fulano porque ele reconhece o que faço por ele"(tem consciência da dívida); "Quanta ingratidão! Fiz isso por ele e ele foi ingrato!"(não reconhece a dívida)

Neste caso, ao devedor restam duas opções:

1 - Ser prisioneiro do credor
Nessa fase, todo provedor é um "anjo, a melhor pessoa do mundo". Ele é santificado e passa a a ser visto como salvador da patria, o provedor de todas as carências. A expectativa é imensa! foi plantada a semente da revolta que logo eclodirá. É compreensível o indivíduo reconhecer que sua vida depende de que alguém gere um sentimento de aniquilamento, reduza a auto-estima e o faça sentir-se um objeto passivo.
O que não dá é pedir emprestado as coisas e querer ainda bancar o orgulhoso(no mal sentido) porque a carência existe e é fato. Sempre, todos, seremos carentes de algo. De sentimento, de serviços, de objetos, etc As carencias nos levam a nossa busca pelo complemento no outro, e isso não tem nada a ver com posição social, tem a ver com você estar em desvantagem ou não em uma determinada situação.

2 - Rebelar-se contra o credor
Uma vez que "meu salvador" não respondeu com as minhas expectativas, preencheu minhas carencias, ele é diabolizado. Invertem-se os papéis. O "devedor" passa a acusar, negar todo benefício recebido. A única maneira de fugir do sentimento de aniquilação e dependencia, fruto de um relacionamento baseado no equívoco de que alguém vai salvá-lo, e o faz sentir-se sujeito livre.

Shakespeare já nos alertava; "Existe uma diferença, uma sutíl diferença entre dar a mão e acorrentar a alma"

O dar que nos liberta
Quando somos muito "lembrados" por alguém, que sempre que pedimos um favor este é atendido de forma "desinteressada"; Quando somos muito elogiados ou agradecidos, de forma quase compulsiva por algo que tenhamos feito por alguém, já é o ruído da faca sendo amolada para a proxima punhalada nas costas. Não nos iludamos com este anestesiante som! É preciso que nos posicionemos de forma firme, a fim de elucidar nossos relacionamentos evitando todo gesto de doação que se transforme em conflito de relação e que fique bem claro em nosso ato de dar algo, a carta de alforria do outro.

"Você não me deve nada. O que faço por você é o que fizeram por mim. Espero que você faça o mesmo, quando encontrar alguém nas mesmas condições. Esta é uma das leis da vida. Faça o bem sem olha a quem..."

Porque senão não é doação, é DÍVIDA!

Somente desta forma podemos libertar as pessoas beneficiadas por nossas ações, para que se tornem sujeitos livres de forma natural e não pela força da agressão. Este gesto também liberta o cuidador, aquele que doou algo. Deixa-o livre para recomeçar outras ações solidárias, sem gerar dependências e constrangimentos.

Portanto se você pediu algo prometendo devolver, você contraiu uma dívida. Pague. Pois aí reina o princípio da honestidade e da credibilidade que estará para sempre vinculado a sua pessoa. Agora se você pediu algo como doação, fique sussa porque você não deve nada a ninguém; E tampouco fique raivoso se alguém não te atendeu o pedido como você queria, você se livrou de uma cilada armada por si mesmo. Porque se você faz isso, você é um sério candidato a trazer aborrecimento pros outros e pra si mesmo, sendo conhecido como "persona non grata", achando-se "vítima" da "falta de compreenssão alheia", apesar de ser a "melhor pessoa do mundo" e que tambem "ajuda" a todos. Não existe melhor pessoa do mundo e se existisse esta não traria aborrecimento pra alguém. Bondade é que nem humildade, não existe humildade naquele que diz que é a pessoa mais humilde do mundo, como eu mesma ja escutei. A pessoa apenas é e pronto.

Eu agradeço este post a todas aquelas pessoas que me ajudaram a "farejar" esse tipo de conduta em mim e no outro, me corrigir e a sair correndo quando encontro alguém assim. Prefiro que digam que sou sovina do que alimentar esses vínculos doentís.

A gente se mete nessas ciladas e não sabe depois o por quê ta dentro delas. Pense, procure saber sempre onde você contribuio numa situação desgostosa que vai achar o seu dedo podre, mesmo com a "melhor" das intenções.

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